domingo, 1 de maio de 2011

Reunião na Aldeia

Como vimos o toré é um importante ritual indígena que, no terreiro, invoca os caboclos. 
Caboclos de pena, como são chamados os que tem suas origens fortemente ligadas aos amerindios, costumam entoar seus cânticos assim que chegam no terreiro. Conhecemos uma cabocla , que em vida teve grande influência jesuita, que ao chegar canta o seguinte:

Quando nessa casa entrei
Eu Salvei* Maria
Quando nessa casa entrei 
eu avistei a luz do dia

É comum estes caboclos saudarem onde estão chegando ou contarem a sua "viagem" até o local da reunião. Como por exemplo um caboclo boiadeiro que geralmente chega com esta cantiga abaixo:

Foi nesse passo que eu sai da minha aldeia (bis)
Montado, no meu cavalo
com meu chapéu e laço
Quando eu sai a minha mãe me abençou ( bis )

Me parece mais comum caboclos boiadeiros saudarem com várias cantigas os presentes na "aldeia". Caboclos de pena costumam saudar a casa, seus donos, e as entidades principais do local. A mesma cabocla citada, em seguida canta o seguinte:

Um abraço dado de bom coração
Vale mais do que uma benção
Uma benção , uma benção

O interessante deste canto é a simplicidade. A maioria dos caboclos que conheço, dão muito valor a coisas pequenas mas feitas de boa vontade. Como já dizia uma entidade que tenho bastante contato : " pode ser um toco pequenico de vela .. " . Mas se acendê-la de boa vontade vale mais que grandes oferendas.

Já os caboclos Boiadeiros, gostam de chegar e enquanto cumprimentam os presentes, entoam várias cânticos diferentes. Exemplos:

E boa noite pra quem é de boa noite
E bom dia pra quem é de bom dia
A bença meu táta** a bença 
Sou um boiadeiro sou o rei la na Hungria***

Boa noite sinhô , boa noite senhora (bis)
sou eu boiadeiro que cheguei agora  (bis)

Foi agora que eu cheguei dona
Foi agora que eu cheguei dona

Estes ritos de "chegada" são bem interessantes, eles variam de acordo com o humor das entidades, dos costumes dos terreiros e por conta do clima em geral da aldeia. 

Assim cada um canta seus pontos (como são chamadas as cantigas individuais de cada entidade ou a que melhor lhes descrevem) e a reunião na aldeia começa. Deste momento em diante muita coisa interessante pode acontecer.  Então firma o ponto e vamos seguir.

Eu mandei firmar meu ponto num pedaço de cipó ( bis )
Deu meia-noite na lua, deu meio dia no sol  ( bis )

 
* Salvei : no sentido saudação
**táta : Pai
***Hungria: Ainda não descobri exatamente o significado em se dizer isso, mas assim que descobri, eu conto para vcs. ;)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Em cantos da mata - O começo com o Toré

O toré cantô* na minha aldeia
ô me salve o toré dentro da minha aldeia

O toré cantô na minha aldeia
ô me salve o toré dentro da minha aldeia

Bem, esta é a cantiga que abre este blog. Em cantos da mata vai registrar minha experiência cantada com o culto de entidades afro-brasileiras cultuadas em sua maioria em terreiros e tendas de Umbanda. Os Caboclos, Boiadeiros e "Iluminados" em geral ( ;) ).

O blogueiro que vos escreve não é necessariamente umbandista. Eu estou "infurnado" no candomblé (nação ketu) desde uns 8 anos de idade. Contudo meus pais carnais ( mais especificamente minha mãe ) e os pais espirituais ( digamos assim ) tem sua origem em um terreiro de umbanda. Por conta disso, mesmo em uma casa de santo, como se chamam os terreiros de candomblé, cultuava-se com fins de caridade a população local, estas entidades.

Um dia eu explico o motivo pelo qual o blog não é de cantos do candomblé. Mas neste post pretendo só explicar um pouco da mecânica do blog.

Vamos lá. A idéia é registrar e mostrar um pequeno contexto dos cânticos entoados para caboclos e boiadeiros. Lembrando que isso é sobre a minha experiência , e não tem nenhuma pretenção de ser O Registro de cantigas.

Vou buscar seguir alguma sequência, mas ela pode eventualmente ser quebrada por uma lembrança de algo pontual que me venha a mente. 

Vamos começar? 

Bem a cantiga que abre o post, faz referência ao Toré. Este é como chamamos o instrumento que para crianças até 6 anos, eles juram que é o chocalho . E é basicamente isso mesmo. Podem ser feitos de palha, cuia, madeira, etc . Dentro é preenchido com favas, conchas, pedrinhas e outras miudezas que fazem barulho. De fato é um nome dado ao instrumento que originou-se do ritual indígena Toré ( ritual o qual se usam o chocalho na maioria das ocasiões e tribos ). Sem uma pesquisa muito extensa, encontramos o seguinte:


Esta cantiga, abre a maioria dos rituais quando vamos invocar os caboclos de uma forma geral.

Poderia falar mais sobre o motivo pelo qual este toré faz sentido no ritual de caboclos e boiadeiros, mas vou me ater a lembra-los que estas entidades eram  em sua "maioria" índios,  ou filhos e netos de índios, onde a cultura do toré era passada verbalmente, e se perdendo aos poucos em sua totalidade com a ajuda dos jesuítas. Quando digo eram , me refiro ao fato que os mesmos são hoje entidades e espíritos que outrora estiveram vivendo aqui na terra com nossos , ou como nossos, antepassados.

Obs: Espiritualmente falando existem várias linhas de cablocos como os espíritas/umbandistas falam. Contudo , quando na maioria das vezes eu citar caboclo, pense em um ameríndio tradicional. Lembrem a idéia é cantar, não contar a origem de TODOS as entidades ok?

Pra começo de conversa está legal. Até a próxima.

*cantô : Se acostumem, é natural os cânticos serem entoados com "erros", muitas vezes, só é possível ritmá-los com estes erros. O motivo geral pode ser, a princípio, deduzido avaliando a origem dos nossos antigos "compositores" ;) .